quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A unha comprida do dedo mindinho

Corria o ano de 2004 (por aí) estava eu a ver o noticiário na televisão e apareceu-me um tipo de blazer e cabelo à pato bravo que quer parecer queque, com a legenda em rodapé: Ministro da Juventude e Desporto. “Deve ter sido futebolista, ou jogador de basquete, ou qualquer coisa assim na área do desporto” pensei eu. Mas aí reparei que o dito senhor tinha a unha do dedo mindinho comprida. E reparei porque ele, ao ser parado por uma repórter, levou a mão à altura do rosto, em ângulo recto, e limpou vigorosamente o ouvido com a unha. “Oh diabo!” pensei, “é mas é pato bravo”.

Porque vou-lhes dizer, nem na altura do PREC, nem quando a classe trabalhadora esteve a uma unha negra do poder, eu tinha visto um ministro limpar o ouvido com a unha comprida do dedo mindinho. Fiquei seriamente preocupado.

Mal sabia eu. O fulano era nem mais nem menos do que Armando Vara, pós-graduado e licenciado (por essa ordem) da nossa praça, subsecretário de secretário, secretário, ministro – um homem com uma carreira política meteórica e um tanto disléxica: afinal de contas, o que é que um funcionário da CGD em Vinhais, Trás-os-Montes, com o 12º ano, sabe de Administração Interna, Juventude, Desporto e Prevenção Rodoviária?

Mas essa escalada de elevador pelas escadas do Poder foi apenas a primeira parte da vida deste fura-vidas. Terminou com um escândalo incómodo, relacionado com uma tal Fundação para a Prevenção da Segurança Rodoviária – mas a simpática e eficiente Justiça portuguesa arquivou o processo por falta de provas.

A segunda parte é a vida Armando António Martins Vara como grande gestor da banca. Pelo menos aí pode dizer-se que estava no seu elemento, pois com certeza que conseguia contar maços de notas com presteza, ajudado por aquela unha do dedo mindinho. Começou na Administração da Caixa Geral de Depósitos, esse poço sem fundo onde caem todos os ex-políticos. E três dias antes de entrar na CGD já era licenciado. Dois anos depois passava a vice-presidente do maior banco português, o Millennium, com pelouros suficientes para meia dúzia de pessoas.

Helás! Salários sumptuosos não lhe tiraram o apetite por dinheiro pequeno. No processo Face Oculta constam de envelopes com 15 mil euros, caixas de robalos e almoços em restaurantes meia leca.

E assim chegamos à terceira parte da vida e obra de Armando António: Presidente do Conselho de Administração da cimenteira Camargo Corrêa África. A ida para Angola podia lembrar um pouco o desterro dos degredados no século XIX, que iam cumprir pena nas colónias com a ideia que as doenças tropicais os matassem. Mas os tempos africanos mudaram, claro. Angola é hoje em dia uma powerhouse de desenvolvimento, a precisar de cimento, muito cimento. No meio da nomenklatura de Luanda, e com os métodos de negócio que lá se praticam, Vara está como um peixe na água.



A última vez que ouvi falar de dele foi há poucos dias. Testemunhas e intervenientes concordam que Vara adentrou pelo Centro de Saúde de Alvalade, passou à frente de vinte velhinhos reformados e exigiu da médica um atestado de saúde, depressa porque tinha de apanhar o avião.

Um dos velhinhos, José Francisco Tavares, pai de seis filhos, apresentou queixa contra ele  - coitado, acha que Vara é um cidadão igual aos outros, processável. Conhecendo os modos da Justiça, não me surpreenderia se num ano ou dois o Tavares não visse a reforma penhorada para pagar um processo por difamação.



Agora, uma coisa eu já tinha reparado, ao ver Vara dois dias antes, à saída do tribunal onde decerto será declarado inocente por falta de provas: o homem já cortou a unha do dedo mindinho.

Aprendeu. Agora é que ele vai arrasar.


publicado por Perplexo às 23:01

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

In "Cloreto de Sódio"

R.I.P.


Houve lágrimas, porque um tal Liedson abandonou o Sporting e foi jogar para o Brasil. Também eu me fartei de chorar por causa desse rapaz, exactamente porque eu e 95 por cento dos portugueses teríamos de trabalhar duas vidas inteiras para ganhar o que ele vai ganhar em dois anos. Há também um tal Mourinho, que comprou uma casa por um milhão e meio de euros, um certo Ronaldo, que dispensou 140 mil euros para umas bebidas com os amigos e o pseudo-actor Angélico Vieira que gastou 170 mil euros no carrinho dos seus sonhos. Tudo isto seria normal se não estivéssemos a viver a pior crise desde a implantação da República. Por isso, tudo isto me parece escandalosamente pornográfico porque há, sobretudo, uma enorme falta de respeito por quem trabalha e não consegue passar da cepa cada vez mais torta.

Os portugueses normais, que não são amigos dos políticos nem são futebolistas, estrelas de Hollywood ou treinadores-maravilha, ganham menos, pagam mais pela sua sobrevivência e terão de continuar a cumprir os seus compromissos. Os doentes, a viverem dessa esmola que se chama reforma, têm de desistir das consultas médicas porque são eles quem paga as despesas de deslocações aos hospitais e centros de saúde. Quarenta mil professores serão despedidos, devido à reestruturação do ensino básico e secundário. Comerciantes continuam a fechar as portas das suas lojas e restaurantes porque não aguentam o peso dos impostos. Os direitos dos cidadãos, consignados na Constituição da República Portuguesa, são vilipendiados todos os dias.

Ah! Mas somos um país moderno! Temos Magalhães, temos abortos autorizados, consumo de droga liberalizado e casamento entre cidadãos do mesmo sexo. Nada contra. Mas, antes destas, eram urgentes terem sido tomadas decisões em campos menos fracturantes e mais úteis à sociedade. Que se rasgue, pois, a Constituição. E que se enalteçam essas imagens, essas sim, verdadeiramente fracturantes, de pessoas chamadas Mourinhos, C. Ronaldos e outros assim.



quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O primeiro veto de Cavaco Silva

Ontem e hoje, nos telejornais e nos jornais uma das noticia era o veto do diploma do Governo sobre prescrição de medicamentos, as razões estão na página da presidência, o que O Rato que RUGE, não entende é o porquê de tanto alarido, acredito que o nosso presidente é uma pessoa consciente e consequente das decisões que toma e em boa verdade basta ler as razões do veto que se entende que do modo trapaceiro como foi elaborado o utente é que iria pagar a factura, pois a alteração da prescrição da receita não por via electrónica iria ter como consequência a não comparticipação.

   "O Presidente da República devolveu hoje ao Governo, sem promulgação, o diploma que prevê a obrigatoriedade da prescrição de medicamentos mediante a indicação da sua denominação comum internacional (DCI), ou nome genérico, bem como a obrigatoriedade da prescrição electrónica.

    O diploma permite que a prescrição da marca do medicamento pelo médico seja substituída pelo farmacêutico, quer por medicamento genérico, quer por outro essencialmente similar, a menos que, na receita, seja incluída a respectiva justificação técnica.

    Considera o Presidente da República, aliás de acordo com cartas e pareceres chegados à Presidência da República, que não se encontram devidamente avaliados os efeitos do regime que se pretende aprovar, muito em particular sobre a insegurança provocada pela amplitude da possibilidade de alteração sistemática dos medicamentos com base na opção do utente e na disponibilidade de cada marca.

    Por outro lado, entende o Presidente da República que, estando esta matéria a ser objecto de alterações em sede de processo legislativo parlamentar, seria muito inconveniente que os utentes do Serviço Nacional de Saúde, num tema de tão grande sensibilidade, se vissem confrontados com a instabilidade legislativa resultante de eventuais novas alterações.

    No que se refere à obrigatoriedade de prescrição electrónica, não se entende que seja determinada a sua entrada em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação, uma vez que não foi ainda publicada a regulamentação prevista no art.º 7º do Decreto-Lei nº 106-A/2010, de 1 de Outubro, no qual se estabelecia, e bem, um prazo razoável entre a publicação da referida regulamentação e a entrada em vigor daquela obrigatoriedade.

    Atendendo a que a falta de prescrição electrónica terá como consequência a não comparticipação dos medicamentos em causa, conclui-se que qualquer dificuldade na sua execução fará recair sobre os utentes a impossibilidade de obtenção da comparticipação a que têm direito.

    Considera o Presidente da República que os utentes do Serviço Nacional de Saúde, e os cidadãos em geral, beneficiarão de uma reponderação do novo regime de prescrição de medicamentos que, tendo em conta as contribuições do Governo e da Assembleia da República, assegure que as mudanças se traduzam em clareza de procedimentos para os médicos, para os farmacêuticos e, sobretudo, em segurança para os doentes que precisem de medicação e possam obtê-la nas condições que lhes sejam mais favoráveis.

    Palácio de Belém, 8 de Fevereiro de 2011"

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Mνημοσύνη - VII

Pareceres:Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
   
Contencioso: Administrativo
   
Data:    05-02-2007
   
Processo:    02272/07
Nº Processo/TAF:    00167/06.4BECTB
Sub-Secção:    2º. Juízo
   
Descritores:    CARREIRAS HORIZONTAIS
MOTORISTA DE PESADOS
CARGO UNICATEGORIAL
Data do Acordão:    05-07-2007
   
Texto Integral:    Venerando Desembargador Relator

A magistrada do Ministério Público junto deste TCA Sul vem, ao abrigo do artº 146, nº1, do CPTA, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos termos e com os fundamentos seguintes:

O recurso jurisdicional vem interposto pela entidade Ré, da sentença que considerou procedente a acção administrativa especial proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), em representação dum seu associado, motorista de pesados, a exercer funções no Município do Gavião, com vista à prática, por este, dum acto que o reposicione nos escalões por que se desenvolve a carreira de motorista de pesados, de acordo com as regras aplicáveis às carreiras verticais, ou seja, através da progressão efectuada de três em três anos.

Segundo o Município recorrente, a sentença contraria o artº 38º do DL nº 247/87, de 17-6, ao considerar que a categoria do associado do Autor deveria ser considerada vertical, por não estar incluída neste dispositivo legal, o qual enumera, taxativamente, as carreiras consideradas horizontais.

E parece ter razão.

Com efeito, em obediências aos princípios enunciados no DL nº 184/89, de 2-6, todas as carreiras horizontais previstas no citado artº 38º se transformaram em carreiras com uma só categoria, tal como resulta da análise das escalas salariais das carreiras e categorias da Administração Local constante dos anexos 2 e 3 do DL nº 353-A/89, de 16-10.

Na verdade, não estando inserida, a categoria em apreço, em nenhuma carreira, não é possível progredir na mesma, verticalmente.

Com efeito, estipula o art. 40º, nº 3, do DL 184/89, de 2-6, que o tempo de serviço prestado na categoria de que o funcionário é titular, conta para efeitos de promoção, nas carreiras verticais (alínea a)) e para efeitos de progressão nas carreiras horizontais ou nas categorias que, inseridas em carreiras mistas, disponham já de desenvolvimento horizontal.

Ou seja, nas carreiras verticais o acesso a categoria superior faz-se por promoção mediante concurso; nas carreiras horizontais existe “progressão” e não “promoção”, não dependendo aquela de concurso (com excepção do concurso de ingresso), mas apenas de mudança de escalão na mesma categoria (cfr. arts. 27º, 29º do DL nº 184/89, arts. 36º, 38º nº 2 e 3 do DL nº 247/87 de 17-6 e Paulo Veiga e Moura in “Função Pública”, 1º volume, 2ª edição, pg. 70 e segs).

No caso vertente, existe, actualmente, apenas a categoria isolada de motorista de ligeiros, como decorre do anexo nº3 ao DL nº 353-A/89, de 16-10, o qual derrogou o regime estabelecido no nº1, do artº 37º, do DL nº 247/87 e seu anexo, que considerava esta categoria integrada em carreira mista.

Igualmente, o DL nº 412-A/98, de 30-12, que procedeu à adaptação à Administração Local do DL nº 404-A/98, de 18-12, integra a categoria em causa no grupo de pessoal auxiliar e em que “categoria” e “carreira” se confundem ( anexo III A).

Assim, o argumento invocado pela sentença, de que o art. 38º, do DL nº 247/87, é taxativo ao enumerar sem o advérbio “designadamente”, as categorias sujeitas a progressão horizontal, pelo que da mesma não constando a categoria de motorista de ligeiros, a respectiva progressão só poderia ser vertical, não tem neste momento já cabimento sendo antes relevante, para aferir do tipo de progressão a que está sujeita, a apreciação das suas características bem como das características e definição de cada tipo de “progressão” existente na função pública.

Como se refere no acórdão deste TCAS de 10-3-05, proferido no processo nº 00176/04, onde estava em causa, tal como neste processo, um cargo unicategorial,

“A situação do recorrente corresponde a uma categoria única num cargo de chefia, não sendo integrável em carreira horizontal ou vertical, onde aliás não existem lugares de chefia, mas sim no âmbito do pessoal auxiliar, cujo regime de progressão é definido pelo regime de progressão aplicável às carreiras que integram o mesmo grupo de pessoal.
Ora, no caso concreto, a categoria única de motorista de ligeiros surge no último Anexo em que figurou no Dec. Lei nº 247/87, de 16 de Junho, integrado no grupo de pessoal auxiliar, onde militam todas as “carreiras” classificadas como de horizontais para efeitos de aplicação do regime de progressão constante do Dec. Lei nº 189/89, de 6 de Fevereiro”.

Assim sendo, a integração do cargo do funcionário requerente numa carreira vertical para efeitos de a progressão nos escalões do vencimento se efectuar de três em três anos e não de quatro em quatro anos, como foi entendido sentença, carece de apoio legal.


Neste sentido se pronunciou a jurisprudência deste TCAS, nomeadamente nos acórdãos de 5-5-05,14-12-05 e 18-5-06, in recºs nºs 558/05, 1165/05 e 1276/05, respectivamente.

Mas também o STA- Pleno se pronunciou já, unanimemente, no mesmo sentido, em diversos acórdãos ( cfr acs de 17-1-07, de 17-1-07 e de 12-12-06, in recºs nºs o762/02, 0744/06 e 0870/06, respectivamente)

Assim, segundo o sumário do último acórdão citado,

I -A identidade das situações de facto, como requisito de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, é exigível apenas na medida em que assegure a identidade da própria questão fundamental de direito a decidir.
II – Para efeitos de tal recurso, existe oposição de julgados entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul, que decidiu ser vertical a carreira, unicategorial, de fiscal de obras, por não fazer parte da enumeração de carreiras horizontais, constante do artigo 38 do DL 247/87, de 17.6, e esta enumeração dever ser considerada taxativa, e um acórdão do Tribunal Central Administrativo-Norte, que decidiu ser horizontal a carreira, igualmente unicategorial, de motorista de transportes colectivos, por entender que o mesmo artigo 38 deve ser interpretado no sentido de que contem enumeração meramente exemplificativa das carreiras horizontais e que, como tal, devem ser qualificadas aquelas em que, pela sua estrutura, a progressão se faça em termos idênticos aos da progressão nas carreiras horizontais.
III – Face à caracterização legal das carreiras, constante do artigo 5 do DL 248/85, de 15.7, o elemento diferenciador das carreiras verticais, relativamente às horizontais, consiste em que, naquelas, as diversas categorias correspondem a níveis crescentes de exigências, complexidade e responsabilidade.
IV – Assim, na falta de norma legal que expressamente qualifique como vertical ou horizontal determinada carreira, deve a mesma ser considerada horizontal se, pela respectiva estrutura, não comportar a possibilidade de progressão por diferentes e crescentes níveis de exigências, complexidade e responsabilidade.
V – Tal possibilidade de progressão não existe nas carreiras unicategoriais, como é o caso da carreira de motorista de transportes colectivos, que deve, por isso, ser considerada carreira horizontal, para efeito de progressão nos respectivos escalões, de quatro em quatro anos, conforme o disposto no artigo 19, do DL 353-A/89, de 16.10.


Termos em que, nos termos do entendimento jurisprudencial citado, bem como nos termos do entendimento que vimos professando em casos idênticos, emitimos parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Faz como digo e não como eu faço...

Há uns anos atrás apareceram por aí uns outdoors engraçadíssimo do famoso “pinócrates” esta caricatura surgiu para chamar a atenção dos portugueses de então das promessas não compridas do PM de Portugal, as caricaturas do nosso Sócrates com nariz de 3 metros, trazia sempre umas frases emblemáticas que serviam para enfatizar a falta de decoro das promessas não cumpridas, por estes dias temos uma nova versão não do “pinócrates” pois esse é único, mas de mímicos, o tamanho do nariz do dito Pinóquio, fica ao critério de cada um. Assim, temos num dia o sr. Dr. Jorge Lacão (ministro dos assuntos parlamentares), no dia seguintes as hostes socialistas a clamar para que isso não aconteça (leia-se Francisco Assis e Pedro Silva Pereia), talvez porque o receio de eleições antecipadas, e a existir essa vontade de redução, perdem-se 50 lugares na assembleia, o povo poderá não notar a diferença ou falta de tais gentes, mas as máquinas partidárias, habituadas a excessos, essas sim, notarão a diferença.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Passar das palavras aos actos

Passar das palavras aos actos - Opinião - DN
"Jorge Lacão, ministro dos Assuntos Parlamentares, admite reduzir o número de deputados na Assembleia da República dos actuais 230 para o mínimo admitido pela Constituilção, 180. José Junqueiro anuncia o lançamento para breve de um debate nacional com os autarcas acerca da dimensão demográfica e eleitoral das freguesias existentes e sua racionalização. Cita, como exemplo a seguir, o acordo entre PS e PSD, em Lisboa, que reduz o número das freguesias da capital das actuais 53 para 24. E nas jornadas parlamentares do PSD voltou a falar-se de um outro Governo, com menos ministérios e maior capacidade de iniciativa política.
Porquê esta temática de redução de deputados, de directores públicos e de autarcas? Pelo facto de se ter tornado evidente, ao longo do aperto financeiro estatal presente, que os cortes na despesa pública em 2011 não são senão um primeiro passo numa caminhada. Ela tem de ser bem mais ambiciosa para poder produzir os efeitos pretendidos. Se não é possível cortar salários de funcionários a eito, anos a fio, o que tem de ser revisto é todo o organigrama dos poderes central e local, a sua dimensão, coerência e relevância.
Que não haja ilusões: reduzir o número de ministérios não pode ser só retirar umas placas e poupar uns quantos cargos de chefia. É extinguir serviços, é entregar a privados o que o aparelho de Estado se escusa a continuar a fazer. Promover fusões de freguesias não é poupar no número de presidentes de junta. É criar condições para uma maior capacidade de intervenção mais intensa junto das populações com melhores serviços de proximidade. E reduzir o número de deputados só vale mesmo a pena se, de caminho, se construir uma nova lei eleitoral, que dê um rosto mais nítido de cada eleito perante os seus eleitores, sem deixar de reconhecer o peso relativo de todas as correntes políticas na sua expressão eleitoral.
Mas uma coisa é certa: o Estado e a sua despesa têm de ser redimensionados. E é tempo de os políticos, de uma vez por todas, abandonarem a mera retórica dos discursos e passarem, definitivamente, das palavras aos actos.
Festa democrática
O povo egípcio fez uma extraordinária manifestação de unidade e de espírito cívico, com manifestações gigantescas em todo o país, para exigir a saída imediata do Presidente Hosni Mubarak. O regime sofreu um abalo que pode antecipar o triunfo da revolta popular num prazo de dias. A mobilização foi esmagadora e o carácter pacífico da revolução lembrou Lisboa em Abril e Maio de 1974. A crise alastra, já perturba o mercado petrolífero, e a única saída parece ser a renúncia do Presidente, que ainda acredita na sua sobrevivência política, prometendo reformas. Mubarak disse, ontem, que não será candidato nas presidenciais de Setembro, assegurando uma transição pacífica.
A sobrevivência do regime é já um cenário pouco provável. Os militares serão cruciais. A oposição quer resolver a questão até sexta-feira, dia semanal de oração, que seria, como hoje, um dia de festa. O comité que junta os partidos seculares e o movimento islamita Irmandade Muçulmana tem mostrado grande unidade na acção e exige, além da saída de Mubarak, a dissolução da Assembleia, o que implicaria eleições. Os partidos querem liberdade de expressão e um governo de unidade nacional. O Ocidente, embora preocupado, mostra sinais de aceitar que estes desejos já são inevitáveis. O país dificilmente aceitará esperar mais dez meses pela democracia."