terça-feira, 16 de novembro de 2010

Mνημοσύνη - IV

In Pareceres Juridicos CCDR Alentejo
TÍTULO:    INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE RECINTOS DE ESPECTÁCULOS E DE DIVERTIMENTOS PÚBLICOS

DATA: 21-11-2003     PARECER N.º 104/2003
INFORMAÇÃO N.º 286-DRAL/03

TEXTO INTEGRAL:

Pela Câmara Municipal de Gavião foi solicitado parecer jurídico em face de dúvidas surgidas quanto à execução do disposto no Decreto-Lei nº 309/2002, de 16 de Dezembro, diploma que regula a instalação e o funcionamento dos recintos de espectáculos e de divertimentos públicos. Dúvidas que se reportam, por um lado, à emissão de certificados de inspecção por entidade qualificada para efeito do licenciamento de utilização daquele tipo de empreendimentos. Por outro, à obrigatoriedade de apresentação de seguro de responsabilidade civil por parte dos autores de projectos, dos empreiteiros e dos construtores.

Passando à análise solicitada:

1. O novo regime jurídico da instalação e funcionamento dos recintos de espectáculos e de divertimentos públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 309/2002, de 16 de Dezembro, contempla algumas inovações relativamente ao que se previa sobre a mesma matéria no Decreto-Lei nº 315/95, de 28 de Novembro. A título de ressalva e tendo designadamente em vista o disposto no artigo 4º do primeiro dos referidos diplomas quanto a recintos desportivos, cumpre salientar que a presente apreciação não prejudica outros formalismos com natureza de licença de funcionamento que – no âmbito do regime jurídico da instalação e funcionamento de instalações desportivas de uso público a que se refere o Decreto-Lei nº 317/97, de 25 de Novembro – sejam considerados necessáriose da competência de outros organismos.

As questões colocadas incidem sobre dois dos aspectos inovadores do Decreto-Lei nº 309/2002: o primeiro, respeitante à certificação do cumprimento das normas técnicas e de segurança por entidade autónoma dos serviços municipais e qualificada no âmbito do Sistema Português da Qualidade; o segundo, relativo à celebração de um seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos do exercício das actividades que intervêm no processo construtivo tendente ao licenciamento.

2. No que concerne à emissão de licença de utilização pela Câmara Municipal, determina o artigo 10º, número 5, alínea a), que esta depende de requerimento, acompanhado por fotocópia autenticada do certificado de inspecção, a emitir por entidade qualificada para o efeito. Ora o artigo 14º esclarece que o certificado de inspecção visa atestar que o empreendimento cumpre e mantém os requisitos essenciais de qualidade, designadamente requisitos de segurança, habitabilidade, protecção ambiental, funcionalidade e qualidade arquitectónica e urbanística (vide o seu número 1). Mais regem os números 2 e 3 do mesmo artigo no sentido de que são competentes para emitir tais certificados entidades especificamente qualificadas, constituindo estas organismos de inspecção acreditados no âmbito do Sistema Português da Qualidade.

A definição da estrutura organizacional e das atribuições e competências do Sistema Português da Qualidade (SPQ) encontram-se previstas no Decreto-Lei nº 4/2002, de 4 de Janeiro, esclarecendo o artigo 1º que aquele engloba, de forma integrada, as entidades envolvidas na qualidade e que assegura a coordenação de três Subsistemas – o da Normalização, o da Qualificação e o da Metrologia. Justamente o Subsistema da Qualificação tem como um dos objectivos o reconhecimento da competência técnica de entidades para actuarem no âmbito do SPQ (assim o refere o artigo 27º). Nos termos dos números 2 e 3 do artigo 28º, entre outras actividades, o Subsistema da Qualificação abrange a acreditação (que consiste no procedimento através do qual o Organismo Nacional de Acreditação, que integra o SPQ, reconhece formalmente que uma entidade é competente para efectuar uma determinada função específica) e a certificação (sendo este o procedimento através do qual uma terceira parte acreditada dá uma garantia escrita de que um produto, processo, serviço ou sistema está em conformidade com requisitos especificados). Pelo disposto no artigo 29º, números 2 e 4, verifica-se ademais que a função de acreditação de entidades é efectuada pelo citado Organismo Nacional de Acreditação (ONA), sendo a função de certificação da responsabilidade das entidades acreditadas para o seu exercício em áreas especificadas pelo mesmo ONA.

Não obstante, refere-se, em sede de disposições gerais e transitórias deste decreto-lei (no artigo 37º), que o Instituto Português da Qualidade (IPQ) é responsável pela coordenação da implementação do mesmo, devendo continuar a assegurar as acções necessárias à garantia do regular funcionamento das estruturas existentes durante o período transitório. Acresce referir, aliás, que o próprio IPQ é o Organismo Nacional Coordenador do Sistema Português da Qualidade, conforme se verifica pelo artigo 17º, número 3, competindo-lhe promover a sua coordenação, assegurar o seu desenvolvimento e a sua unidade de doutrina e de acção.

Ora parece efectivamente constatar-se que, o Decreto-Lei nº 309/2002, de 16 de Dezembro não está, na presente data e em variados aspectos, em vias de implementação em termos da sua aplicação prática e funcionalidade orgânica, circunstância que tem motivado a colocação de dúvidas por parte de alguns municípios como é o caso da presente consulta. Particularmente incisiva é a questão do aparente desconhecimento sobre quais as entidades que possam estar acreditadas para a função da emissão dos certificados de inspecção no âmbito do licenciamento dos recintos de espectáculos e de divertimentos públicos.

Perante este cenário sentimo-nos compelidos a sugerir dois tipos de conduta por parte da Câmara Municipal enquanto autoridade licenciadora. Por um lado e em razão das funções destinadas ao IPQ, acabadas de expor, parece justificar-se, a título de diligência prévia, a auscultação do próprio Instituto(1), com vista ao esclarecimento inequívoco da actual situação, em especial sobre a existência ou inexistência de entidades qualificadas para emitirem o certificado de inspecção no âmbito do licenciamento da instalação e funcionamento dos recintos em causa. Por outro lado e apenas na eventualidade de o IPQ oficialmente informar da não existência de entidades qualificadas para o efeito, convirá ponderar sobre se esta circunstância impede a concessão da licença de utilização de um determinado recinto. A respeito do licenciamento propriamente dito e embora se não deva esquecer a preocupação legislativa intencionalmente vertida no novo regime jurídico, ao nível da verificação da qualidade e segurança deste tipo de recintos, julga-se que a eventual inexistência de entidades certificadoras de inspecção que – mediante a sua intervenção especializada – contribuam para o cumprimento da exigência da lei por parte dos promotores, não deverá resultar na suspensão, por tempo indefinido, do procedimento administrativo tendente à licença de utilização, uma vez que estes são alheios a uma tal lacuna. Este será, porventura, o momento indicado para recordar que no anterior regime jurídico o referido licenciamento da utilização era consumado nos termos do Decreto-Lei nº 315/95, não comportando tal exigência.

Daí que se nos afigure possível defender, neste capítulo, que o requerimento desta licença de utilização possa ser aceite pela Câmara Municipal respectiva desde que instruído com documento a emitir pelo Instituto Português da Qualidade ou por entidade sob sua coordenação, que comprove a impossibilidade objectiva de o promotor submeter o empreendimento a inspecção para fins de obtenção do certificado. Em primeiro lugar porque tratando-se – tudo leva a crer – de uma situação transitória, julga-se que uma solução como a proposta não parece eximir, pura e simplesmente, os promotores do cumprimento da legalidade pois, tendo o certificado de inspecção em causa uma duração limitada quanto aos efeitos que visa produzir (prevendo–se no número 2 do artigo 14º, do Decreto-Lei nº 309/2002, que a sua renovação deva ocorrer até 30 dias antes do termo desse prazo), sempre se poderá afirmar que transcorrido esse período, o empreendimento forçosamente terá que ser sujeitado ao controlo de inspecção, sendo natural que, desta feita, já estejam reunidas as condições que levem à certificação da qualidade dos recintos. Por essa via ficará assegurada, em termos escrupulosos, as regras hoje fixadas para a emissão da licença de utilização destes tipo de recintos (ver o artigo 17º, do referido decreto-lei). Em segundo lugar, porque a própria Câmara Municipal não deixa de actuar nos limites da sua competência e a sua competência em matéria de fiscalização da segurança e habitabilidade existe inequivocamente, sendo que estes parâmetros intervêm na verificação da qualidade das edificações. A circunstância de que o legislador - não obstante ter passado a atribuir um papel de certificador da qualidade a entidade independente – mantém na esfera de atribuições do executivo municipal funções de natureza fiscalizadora e inspectiva resulta, aliás, expressa pelo teor da redacção do artigo 20º, número 1, do Decreto-Lei nº 309/2002. Situação que, de resto, se compreende à luz do procedimento geral de licença e autorização de utilização consagrado nos artigos 62º e seguintes, do Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro.

3. Relativamente à celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil, a sua obrigatoriedade encontra-se fixada no artigo 15º, do Decreto-Lei nº 309/2002, para os autores dos projectos, os empreiteiros e os construtores, devendo o requerimento da licença de utilização ser instruído com fotocópia autenticada da respectiva apólice, válida, conforme se preceitua no artigo 10º, número 5, alínea b), do mesmo decreto-lei.

Acontece que os termos e condições deste seguro serão aprovados por decreto regulamentar, o que ainda não ocorreu. Esta circunstância revela-se, a nosso ver, decisiva para entendermos que não estão, por agora, criadas as condições essenciais para operacionalizar o carácter de obrigatoriedade imposto no artigo 15º. Efectivamente e sem prejuízo de reconhecer-se que o preceito em causa é peremptório, parece coerente afirmar que até à entrada em vigor do decreto regulamentar a publicar sobre esta matéria, aquela estatuição não vincula os intervenientes no processo construtivo dos recintos.



(1) Repare-se que ao próprio IPQ cabia – nos termos do hoje revogado Decreto-Lei nº 234/93, de 2 de Julho – a competência de acreditação das entidades públicas e privadas que pretendessem intervir no âmbito do Sistema Português de Qualidade (vide o artigo 9º, número 2). Repare-se ainda que a diligiência que aqui se sugere se enquadra e se justifica face ao dever de colaboração das entidades intervenientes na fiscalização para com as Câmaras Municipais, que o Decreto-Lei nº 309/2002 preconiza no número 3 do artigo 20º.
RELATOR: Luís Manuel Rosmaninho Santos

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